A tranquilidade da Praia do Forte, no Norte da Ilha de Florianópolis, está ameaçada por uma antiga batalha judicial que volta a gerar tensão na comunidade local. Quatro residências construídas próximas à Fortaleza de São José da Ponta Grossa estão na mira de uma ordem de demolição emitida pela Justiça Federal, que deve ser cumprida na próxima terça-feira, dia 29.
A área onde estão os imóveis é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e está sob responsabilidade da União. Por isso, segundo os órgãos públicos envolvidos, não seria permitida nenhuma edificação ou ampliação sem autorização oficial. No entanto, para os moradores, a história vai muito além das leis técnicas.
A comunidade da Praia do Forte afirma viver ali há mais de 150 anos, sendo composta por famílias de pescadores que descendem dos trabalhadores que ajudaram na construção da própria fortaleza. A ligação com o local é profunda, afetiva e cultural. Os moradores se identificam como uma comunidade tradicional reconhecida por lei e buscam agora, mais uma vez, impedir que as máquinas avancem sobre as construções onde nasceram e foram criados.
Na última quinta-feira, uma reunião entre representantes da União, Iphan, UFSC, Prefeitura de Florianópolis, AGU e a associação de moradores local foi realizada para tentar um novo acordo. Apesar das discussões, nenhum consenso foi alcançado. No mesmo dia, a comunidade organizou uma manifestação na SC-401, próximo ao posto da Polícia Militar Rodoviária, para chamar a atenção da população sobre a causa.
Segundo o relato de moradores, técnicos da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) estiveram na região no dia 22 de abril para notificar a desocupação dos imóveis. Um prazo de 72 horas foi estabelecido, encerrando-se nesta sexta-feira, 25. Moradores dos imóveis 6, 7 e 8 foram orientados verbalmente, mas se recusaram a receber o documento, alegando que ele não indicava os nomes dos ocupantes, apenas os números das casas. Já no imóvel 4, a notificação foi fixada na entrada.
Das oito construções presentes na área, apenas quatro estão incluídas na ordem de demolição — duas casas, um quiosque e um restaurante. As demais ainda não são alvo direto da ação judicial. A situação mais delicada envolve o imóvel da família Alves da Luz. Um dos filhos, que hoje administra o restaurante localizado no terreno, conta que seu pai nasceu na casa e que a área vem sendo habitada há gerações. Segundo ele, o local já foi uma venda, ponto de referência na comunidade.
Em fevereiro deste ano, a primeira tentativa de demolição foi frustrada por uma mobilização dos moradores, que temem que, na nova data estipulada, aconteça um confronto. A comunidade promete resistir pacificamente, mas demonstra preocupação com possíveis conflitos. Muitos moradores estão apreensivos com a aproximação da data, com medo de que alguém possa se machucar no processo.
A defesa das famílias prepara uma nova tentativa jurídica para impedir a execução da demolição. Os advogados devem apresentar à Justiça documentos elaborados com apoio da Universidade Federal de Santa Catarina, que reconhecem a relevância cultural e histórica da comunidade para a capital catarinense.
Apesar de não ser parte oficial da ação judicial, a Prefeitura de Florianópolis declarou que irá acompanhar de perto o caso para garantir que os moradores sejam tratados com dignidade e respeito.
A disputa entre a União e os moradores da Praia do Forte é antiga. Em 1984, a permanência das famílias foi autorizada sob a condição de não ampliar as construções nem transferi-las a terceiros. No entanto, com o passar dos anos e o crescimento natural das famílias, novas estruturas foram erguidas no local. A União pediu a reintegração de posse pela primeira vez em 1991, e desde então, o impasse se arrasta.
A pandemia da covid-19 adiou a tentativa anterior de retirada, feita entre 2020 e 2021. Agora, com a retomada do processo, a comunidade vive momentos de angústia, tentando proteger não apenas as suas casas, mas um pedaço da memória viva de Florianópolis.
A terça-feira se aproxima, e com ela, cresce o temor de que uma história centenária se perca de forma irreversível sob os escombros da judicialização.
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