A Assembleia Legislativa, por meio da Comissão de Finanças e Tributação, promoveu, na manhã desta quarta-feira (4), uma audiência pública para debater o fim do desconto de 14% na contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas do Estado, conforme o apresentado em dois projetos em tramitação atualmente no Parlamento estadual.
O evento reuniu lideranças políticas, representantes de órgãos públicos, sindicatos e integrantes de entidades de classe, que tomaram as galerias do plenário e também o hall da Alesc, onde foram colocadas cadeiras e um telão para a transmissão do debate.
O deputado Marcos Vieira (PSDB), que foi o proponente e conduziu a sessão, destacou que a exposição dos argumentos do governo do Estado e dos sindicatos são importantes para subsidiar o posicionamento dos deputados quanto ao tema. “Nós estamos denominando esta como uma audiência pública com o fim de convencimento. De um lado o governo do Estado, e de outro os representantes dos servidores públicos. Cada qual com suas exposições e falas com o fim de convencer os deputados estaduais a tomarem suas posições quanto aos projetos de lei em tramitação nesta Casa.”
Na abertura, o secretário de Estado da Administração, Moisés Diersmann, ressaltou a disposição do governador Jorginho Mello em encontrar uma solução para a questão, em atendimento aos compromissos firmados em campanha. Uma série de propostas nesse sentido, disse, devem ser encaminhadas para a Assembleia Legislativa já na próxima semana.
O anúncio do teor dos projetos, entretanto, foi antecedido por uma explanação do presidente do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina (Iprev), Vânio Boing, que procurou apresentar as razões pelas quais o atual sistema previdenciário estadual não possui sustentabilidade financeira.
Segundo disse, o modelo está baseado na repartição simples, em que a principal fonte de custeio é o ingresso de novos servidores, cujo número nos últimos 20 anos tem sido sistematicamente superado pelo de aposentados e pensionistas. “Hoje o Estado conta com 77 mil aposentados e pensionistas para 65 mil ativos. Essa relação, que devia ser de 4 ou 5 para 1, é de atualmente de 0,8 para 1”, informou.
Outro agravante, disse, é que o fundo mantido pelo Iprev conta com pouca base financeira, tendo em vista que só teria começado a receber a contribuição dos servidores a partir de 2004.
Por fim, há a questão da paridade e integralidade, que esteve vigente até o ano de 2004, mas ainda continua a provocar efeitos. A integralidade é o direito do servidor de receber a aposentadoria com o mesmo valor do salário recebido em seu último cargo efetivo. Já a paridade é o direito de ser beneficiado com os mesmos reajustes recebidos pelos servidores da ativa, na mesma proporção e na mesma data.
Em face disso, o déficit previdenciário teria adotado um ritmo crescente a cada ano, chegando a R$ 5,4 bilhões em 2022, com previsões apontando para um montante de R$ 6,1 bilhões em 2023.
Ele rebateu, entretanto, as afirmações de que medidas tomadas na última reforma previdenciária para conter o déficit resultaram em perda salarial para o servidor. “Só foi possível implementar a alíquota de 14% em janeiro de 2022 porque o Estado concedeu um reajuste de 28%. Então nenhum servidor passou a ganhar menos.”
Propostas do governo
Ainda em sua manifestação, Vânio Boing anunciou que o governo deve enviar para a Assembleia legislativa nos próximos dias projetos visando equacionar o déficit previdenciário em médio e longo prazo.
Foram ressaltadas a criação de um fundo de capitalização para custear a previdência dos novos integrantes do funcionalismo público; a constituição de um fundo imobiliário pelo Estado para o pagamento do déficit existente no Iprev; e a regulamentação do sistema de proteção social dos militares estaduais.
Outra proposta que será submetida à Assembleia Legislativa é uma redução gradual do patamar de isenção da contribuição de 14%, chegando ao ano de 2026 com o fim do desconto para quem ganha três salários mínimos.
Conforme o apresentado, atualmente 781 aposentados que ganham um salário mínimo já são beneficiados com a isenção. A ideia do governo é que em 2024 a isenção tenha como base dois salários mínimos, englobando 3.131 servidores e em 2025 chegue a 2,5 salários mínimos, perfazendo 6.604 servidores. A escalada chegaria ao ápice em 2026, com o fim da contribuição chegando até quem ganha 3 salários mínimos, em um total de 8.844 servidores.
“É isso que nós estaremos trazendo para a Assembleia na próxima semana, para que o grande debate possa ser feito aqui. Ou seja, qual é o volume que o Estado está disponível a abrir mão com relação à receita previdenciária que pode absorver sem que atinja a Lei de Responsabilidade Fiscal.”
A visão dos servidores
O contraponto às falas dos integrantes do governo do Estado partiu dos representantes dos diversos sindicatos e associações de classe presentes à audiência pública.
A presidente Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de SC (Sinjusc), Carolina Rodrigues Costa, declarou que o desconto de 14% nos benefícios dos servidores impacta diretamente na condição de vida de quem ganha menos. Como exemplo, citou o caso da agente de serviços gerais chamada Marli, que recebe R$ 3.650 e tem um desconto de R$ 341,33.
Em outro ponto, ela argumentou que o governo poderia arcar com o fim da cobrança, tendo em vista o percentual reduzido que o montante arrecadado representa na composição do orçamento estadual. “O impacto da redução da faixa de isenção dos 14% seria de R$ 534 milhões ao ano, o que significa 1% do orçamento do Estado, que é de quase R$ 50 bilhões ao ano. Então, quem tem mais poder para arrumar as contas e acomodar esses valores? Para quem é mais fácil, eu pergunto.”
Ao final, ela também apresentou propostas para que o governo possa arrecadar mais recursos e quitar o passivo registrado pelo Iprev, como a realização de mais concursos públicos, a conversão dos servidores comissionados em efetivos, a redução das isenções fiscais dadas pelo governo a empresas e setores econômicos, e o fim dos programas visando a concessão de descontos nas dívidas dos inadimplentes com o Estado.
No mesmo sentido, o coordenador estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte-SC), Evandro Acadrolli, afirmou que atualmente 64% dos trabalhadores do setor de educação não contribuem para o regime de previdência do Estado por não serem servidores de carreira. Nesse sentido, ele pediu a realização de mais concursos públicos para o setor.
“Não podemos iniciar resolvendo um problema do Estado olhando para os trabalhadores que têm os menores salários, retirando desses trabalhadores o que é essencial para o medicamento, para a alimentação. Estamos falando do empobrecimento da população, ao mesmo tempo em que ficamos permitindo que o Estado fique contratando os funcionários de forma temporária, que não contribuem para o sistema de previdência, mas para o sistema geral.”
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Estadual de Santa Catarina (Sintesp), Marlene Gonzaga, observou que a cobrança dos 14% dos aposentados e pensionistas contraria até mesmo dispositivos do Estatuto do Idoso, que obrigam o Estado a garantir à população acima de 60 anos a execução dos direitos à saúde, à alimentação e à educação, entre outros. “Porque com a pessoa com mais idade, que mais precisa do Estado, que contribuiu a vida inteira, teve um ataque tão grande em cima dos seus direitos?”, questionou.
Ela pediu apoio dos deputados para a aprovação dos projetos que tratam do fim da cobrança da contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas que estão na base de remuneração. “Diante disso, cabe dizer nesse momento que é muito importante e urgente corrigir essa injustiça e não tirar direitos do trabalhador. Gostaria de deixar aqui registrado e pedir, de forma muito especial, que os representantes desta Casa cancelem imediatamente esse desconto.”
Declarações dos deputados
Ao final, diversos deputados apresentaram suas considerações e propostas de encaminhamento sobre o tema.
Ivan Naatz (PL) qualificou como positivas as propostas governamentais. “O governador tem sensibilidade com essa causa e tem se colocado à disposição de ajudar, principalmente aos que ganham menos”, disse, acrescentando que o governo planeja realizar um concurso para contratar 10 mil servidores para a rede estadual de ensino.
Lucas Neves (Podemos) afirmou que pretende analisar os projetos que serão enviados para a Assembleia de forma a buscar um ponto de equilíbrio entre as limitações orçamentárias apresentadas pelo governo e as demandas dos servidores. “O meu compromisso pessoal aqui é de tornar esse debate o mais transparente possível e buscando fazer justiça, especialmente com os que mais precisam, que mais estão sofrendo por conta desse desconto. E também buscar um equilíbrio de forma responsável com relação às contas de Santa Catarina.”
Para Luciane Carminatti (PT), os números apresentados pelo Iprev não estão em consonância com as divulgações relativas à saúde financeira apresentadas pelo Estado. “Nosso estado diz que é o 6º PIB do país, que só tem indicadores de pleno emprego e consegue confiscar 14% de quem menos ganha. De que serve então a gente ser tão rico, tão pleno, tanta produção, tanta riqueza?” Ela disse ainda que em São Paulo a cobrança já foi revogada.
Fabiano da Luz (PT), que é autor do projeto que revoga a cobrança da contribuição de 14% sobre o salário dos servidores públicos estaduais, também instou o governo a buscar novas alternativas para equilibrar a previdência social mantida pelo Estado. “Meios para se resolver tem. O que precisa é vontade, responsabilidade e respeito, principalmente com esses servidores que trabalharam a vida inteira e hoje esperam o mínimo, que é o reconhecimento de ter pelo menos a sua aposentadoria para viverem com dignidade.”
Por fim, Lunelli (MDB) também se mostrou favorável à uma revisão do percentual de contribuição dos servidores que menos recebem. “Acho que os senhores [representantes dos servidores] estão defendendo uma bandeira que é salutar e tem que ser revista. Tem o nosso apoio para isso, mas nós precisamos de transparência tanto do governo quanto da iniciativa privada e também dos sindicatos.”
Os projetos em tramitação na Alesc
- Projeto de Lei complementar (PLC) 4/2023, de autoria do deputado Fabiano da Luz, que altera a Lei Complementar 773/2021, que dispõe sobre a organização do Regime Próprio de Previdência dos Servidores do Estado de Santa Catarina, com o fim de extinguir a contribuição previdenciária de 14 % de aposentados e pensionistas que supere um salário mínimo nacional.
A matéria foi subscrita pelos deputados Marquito (Psol), Marcos da Rosa (União), Sergio Motta (Republicanos), Lucas Neves, Ivan Naatz, Napoleão Bernardes (PSD), Sérgio Guimarães (União), Marcius Machado (PL), Rodrigo Minotto (PDT), Padre Pedro Baldissera (PT), Neodi Saretta (PT) e Luciane Carminatti.
A matéria encontra-se em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde já recebeu parecer favorável do relator, deputado Pepê Collaço (PP), mas ainda não foi votada. Caso seja acatada, seguirá em análise nas comissões de Finanças e Tributação; e de Trabalho, Administração e Serviço Público, antes de seguir para votação em plenário. - Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip), que busca revogar a alíquota previdenciária de 14% cobrada de aposentados de Santa Catarina
O projeto foi apresentado na Assembleia Legislativa ainda em março deste ano por representantes de sindicatos representativos dos servidores públicos estaduais.
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC) revisou a validade das 60 mil assinaturas anexadas, devolvendo o processo para que o número de assinaturas possa ser complementado, tornando o Plip apto a tramitar na Alesc.