O programa Lar Legal entregou 133 títulos de propriedade em Florianópolis na noite de quinta-feira (15/02), em solenidade realizada na Escola Básica Municipal José Jacinto Cardoso, na Serrinha, uma das comunidades que compõem o Maciço do Morro da Cruz. Com a presença de moradores e de autoridades, foram entregues 86 títulos para as famílias e outros 47 títulos para a Prefeitura, em nome de vias públicas. É a primeira vez que o programa alcança esta região da capital.
“O dia de hoje, pra mim, representa o fim de um ciclo e o começo de uma nova vida”, disse a empregada doméstica Clací Klein, de 48 anos. Embora pareça, à primeira vista, apenas uma frase de efeito, não é. Ela mora na Serrinha há 30 anos, mas o ciclo a que ela se refere começou em fevereiro de 2003.
Ao retornar para casa depois de mais um dia de trabalho, Clací viu de longe o carro de bombeiro e uma movimentação incomum em sua rua. Havia ainda o veículo da polícia, vizinhos e pessoas desconhecidas. Chegou mais perto, com a chave da porta nas mãos, e percebeu que a residência onde morava com a filha de nove anos não existia mais. Tinha sido completamente consumida pelo fogo, assim como as duas casas ao lado. Uma pasta de couro foi um dos poucos objetos que restaram.
Por sorte, ninguém se feriu. Os vizinhos se solidarizaram, doaram o que puderam, ajudaram na reconstrução. Enquanto isso, a filha foi morar com o pai e Clací ficou numa garagem cedida por uma conhecida. “Tinha rato, morcego, aranha, era um lugar muito feio”, recorda.
Ao abrir a pasta de couro alguns dias depois, viu o documento de compra e venda da propriedade. Pego em mãos, o papel se desmanchou, como se tivesse quebrado. Ela colou pedaço por pedaço, com paciência e cuidado. Esse documento, que resistiu ao incêndio, possibilitou que Clací ingressasse no programa Lar Legal.
Iniciativa do TJSC, o programa legaliza títulos de propriedade para famílias carentes residentes em comunidades empobrecidas, já estabelecidas há muito tempo. Ou seja, os moradores recebem escritura registrada em cartório que lhes garante segurança jurídica e cidadania. Antes, eles tinham apenas o documento de posse; com a regularização, deixam de ser possuidores e passam a ser proprietários de fato e de direito.
Emocionado e bastante aplaudido, o presidente da Associação dos Moradores, Volmir Rodrigues, conhecido como Batoré, afirmou: “Ter o título de propriedade, depois de tanta luta, é a melhor sensação que existe; a comunidade, no dia de hoje, ganha dignidade”. Com a regularização, as famílias podem investir no imóvel, fazer um financiamento e até negociá-lo. Aos municípios possibilita obras de saneamento básico, iluminação pública e cobrança do IPTU.
“É a primeira entrega que nós fazemos nesta região de Florianópolis, por isso a solenidade é tão significativa”, disse o desembargador Selso de Oliveira, coordenador estadual do programa. Ele enfatizou que o Lar Legal cumpre uma função social primordial, traz segurança e pacificação às comunidades envolvidas e dá um novo rumo para as famílias.
Nessa mesma linha se posicionou o desembargador João Henrique Blasi, presidente do Tribunal de Justiça na gestão de 2021-2022. “Aqui, hoje, nós temos um exemplo efetivo da materialização da justiça, que nada mais é do que dar a cada um aquilo que é seu.” Para o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, a ação é digna de elogios. “O Tribunal criou um processo eficiente e rápido para, em parceria com a Prefeitura, dar dignidade às famílias.”
Há pré-requisitos para que a família interessada possa participar. O conglomerado precisa estar em área com densidade demográfica considerável, malha viária implantada e no mínimo dois equipamentos de infraestrutura urbana há pelo menos cinco anos. A iniciativa catarinense já é replicada no Paraná, Mato Grosso do Sul e Piauí.
Prestigiaram a cerimônia, entre outras autoridades, o juiz-corregedor Maximiliano Losso Bunn; a secretária de Turismo de Florianópolis, Zena Becker; a secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Ivanna Tomasi; o secretário de Transporte e Infraestrutura de Florianópolis, Rafael Hahne; o coordenador regional do Programa de Regularização Fundiária em Florianópolis, Rafael de Lima; a diretora da Escola José Jacinto Cardoso, Rosane Nienchoter; e o advogado da Empresa RagServ, Ricardo Calixto.