Fredolino Roecker, o mais antigo integrante do Poder Judiciário de Santa Catarina, vai se aposentar nesta quinta-feira (1º/6). Ele ingressou na instituição há 51 anos, oito meses e 15 dias.
Quando começou, em 1971, não existia a atual sede do Tribunal; não existia o Fórum da Capital – que só seria inaugurado 15 anos depois; e não havia nenhuma mulher na magistratura, a não ser a desembargadora Thereza Tang. Aliás, quando a segunda desembargadora tomou posse, Fredolino já estava na instituição havia 27 anos. Desde que passou no concurso público e foi empossado, ele acompanhou a gestão de 31 presidentes do TJ.
– De repente, o tempo acelerou, ontem mesmo eu era um menino.
Mudou muita coisa, menos o apelido. Do passado ao presente, quase todos o chamam de Fred.
– Mas eu também gosto que me chamem de Fredolino – diz.
– De onde vem esse nome?
– Meu pai chamava-se Vendolino. Na cidade dele, Rio Fortuna, ao lado de Braço do Norte, é tudo “lino”: Avelino, Albertino, Braulino. Aliás, é dessa região a família do desembargador Raulino.
Quase que Fredolino, o filho do seu Vendolino, não se aposenta. Em dezembro do ano passado, enquanto caminhava, sentiu dores nos braços. Por insistência das filhas foi ao médico. Dias depois entrou na faca, abriu o peito e colocou três pontes de safena.
– Nessas horas a gente vê que o mais importante de tudo, o que realmente conta, é a família, são os laços de amizade que a gente constrói ao longo da vida.
Agora, garante, está novo em folha.
– Quero curtir mais a família. Quero curtir a aposentadoria de peito aberto.
Fredolino é casado há 47 anos, tem cinco filhas e sete netos.
– Vou passar três dias por semana na casa onde moro, na Praia Comprida, em São José, e os outros na casa de praia, na Pinheira, a 700 metros do mar. Sou viciado em pescaria, mas só pesco na lua cheia ou nova, nas outras é perda de tempo.
Ele conta que já pegou peixes de 13 kg, mas não apresenta fotos nem testemunhas… Talvez seja conversa de pescador. É bom de papo, é bom de memória, fala da vida com alegria e entusiasmo, tem facilidade em fazer amigos. A quantidade de pessoas que ele citou e elogiou nesta entrevista dá a dimensão de como – ao longo dessas cinco décadas – construiu laços de afeto no ambiente de trabalho.
– Sou muito grato a todos, de coração, de forma especial ao Pedro Manoel Pereira, chefe da Seção de Gerenciamento da Frota do TJ.
Em outubro do ano passado, ao lado de outros servidores e magistrados, Fredolino recebeu a medalha da Ordem do Mérito Judiciário do Estado de Santa Catarina. O também homenageado juiz Jaime Pedro Bunn, com 49 anos dedicados à magistratura, quebrou o protocolo e fez um pedido ao presidente João Henrique Blasi: “Gostaria que a minha medalha fosse entregue pelo Fredolino.” E assim foi feito.
– Fico emocionado ao me lembrar disso – conta.
O curioso é que, a partir desta quinta-feira, é o próprio Jaime Bunn quem passa a ser o decano do Judiciário catarinense.
Dos 96 desembargadores que compõem a Corte atualmente, alguns não eram nascidos e outros eram crianças quando Fredolino passou no concurso público e foi empossado na gestão do desembargador Marcílio Medeiros. Na época, a Constituição em vigor era a de 1967, não se usava computador, não existia o Superior Tribunal de Justiça, a democracia existia, mas não no Brasil.
– Tem saudade do passado?
– Tenho saudade do tempo em que a gente conhecia todo mundo pelo nome.
Nascido em São José, na Grande Florianópolis, Fredolino decidiu que não queria trabalhar na roça.
– Meus pais me acordavam de madrugada para, junto com eles, tratar o gado, tirar leite da vaca, plantar aipim. Eu queria mesmo era ser caminhoneiro ou escriturário. Adorava uma máquina de escrever, queria aprender a datilografar.
Fez curso, aprendeu, mas sua primeira função no Judiciário, ainda nas instalações da Agência Ford, localizada na rua Hoepcke, foi como “guarda de segurança física de estabelecimento”. Na prática, era recepcionista. Tempos depois, passou a ser escriturário no setor de compras. Fazia de tudo, inclusive costurava os processos.
– Eram muitas folhas, eram enormes, não havia canaleta que desse conta, então tinha que costurar.
Andava pelo centro, pra cima e pra baixo, atrás de papel, caneta, borracha, material de escritório. Nesse setor, em 1975, foi responsável por receber e conferir os móveis da nova sede do Poder Judiciário que seria inaugurada naquele ano.
Da inauguração, lembra-se do clima de emoção dos discursos das autoridades, do entusiasmo dos servidores e, principalmente, dos salgadinhos da cerimônia: “Eram vários, um mais gostoso do que outro.”
Fez concurso interno, no tempo em que eles existiam, se tornou técnico judiciário auxiliar e foi trabalhar no almoxarifado. Trabalhou tanto e tão bem que virou chefe, função que exerceu por 15 anos, no comando de uma equipe de 12 pessoas. Dali, passou para a Diretoria de Material e Patrimônio e conheceu todas as comarcas do Estado. Neste meio-tempo, montou e organizou o TJ, time de futebol do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Diz ele que era um timaço.
– Tinha muita gente boa no time. O desembargador Altamiro, por exemplo, era craque, mas ninguém superava o Espetinho (Osni de Mello, aposentado em 2021). Nunca existiu, nem vai existir no Judiciário, alguém tão bom de bola, ele fazia três, quatros gols por partida.
Depois Fredolino trabalhou no setor de transporte, onde seria motorista:
– Sempre gostei de dirigir, é o que mais gosto de fazer.
Na sequência, foi para a Diretoria de Engenharia e Arquitetura, onde agora encerra a trajetória na Justiça, com a convicção de quem cumpriu seu dever com seriedade e competência.
– Podes dar um conselho para quem está começando?
– Se for para fazer algo, faz bem-feito, faz com vontade, faz com alegria. A vida é muito curta para a gente viver reclamando.