O pleno do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) decidiu na tarde desta segunda-feira (5/6), após análise do projeto de lei Universidade Gratuita, remeter à Assembleia Legislativa e à Casa Civil o relatório elaborado pela Diretoria de Contas de Gestão (DGE) que, dentre outros pontos, afirma que a prioridade da aplicação de recursos da educação deve ser o ensino básico. Em seu voto, seguido de forma unânime pelos conselheiros, o relator, conselheiro substituto Gerson dos Santos Sicca, reforçou a obrigação constitucional do Estado de atuar prioritariamente nos ensinos fundamental e médio.
Segundo o relator, “qualquer expansão do financiamento da educação superior deve vir acompanhada de igual medida para a educação básica. A garantia de fontes de financiamento para a primeira, sem igual medida de proteção para as metas do Plano Estadual de Educação que asseguram uma educação obrigatória de qualidade, fere mandamentos constitucionais amplamente mencionados ao longo da fundamentação”.
Ainda de acordo com Sicca, “pelo grande impacto que gerará no modelo de financiamento da educação em Santa Catarina, e pelos reflexos que poderá vir a causar na execução orçamentária das subfunções orçamentárias da educação básica, além do potencial impacto nas contas públicas de exercícios futuros, justifica-se a atuação preventiva e concomitante do Tribunal de Contas”.
O voto estipula ainda a realização de diligência ao Governo do Estado para que, no prazo de 15 dias, apresente informações e documentos considerando os apontamentos do TCE/SC. A decisão do Pleno considerou a relevância da matéria, que está em apreciação pelo parlamento.
Prioridade da educação básica e risco de distribuição de renda invertida
De acordo com o voto, o ponto central para a verificação da viabilidade do Programa Universidade Gratuita trata da dimensão do aporte de recursos para a sua execução em comparação com a necessidade de priorizar a educação básica.
Avaliação do Tribunal de Contas de Santa Catarina realizada por equipe da DGE mostra que o Estado não vem cumprindo metas do Plano Estadual de Educação, verificando-se a redução da taxa de atendimento no ensino fundamental (de 98% em 2014 para 96,4% em 2021); o descumprimento da meta 3 (universalização do ensino médio); o abandono da escola por 8.197 estudantes, segundo dados do sistema Apoia; o não atingimento da meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) por seguidos anos de avaliação; e a precariedade de escolas estaduais em termos de infraestrutura.
“Os dados trazidos no relatório técnico não deixam dúvidas das prioridades a serem consideradas pela rede estadual, devidamente demonstradas pelos monitoramentos periódicos da execução do Plano Estadual de Educação”, explica o relator em seu voto, que mencionou também as baixas taxas do ensino em tempo integral na rede estadual.
A decisão do Plenário antevê cenário de disputa pelo aporte de recursos estaduais entre o Programa de Universidade Gratuita e o investimento em educação básica, prioridade do Estado. O processo que deu origem ao projeto de Lei Complementar não traz estimativas do impacto orçamentário e financeiro baseado em premissas e metodologias de cálculo sem o atendimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como a falta de indicação da fonte de recursos que custearia o programa.
Foram apontadas fragilidades no processo de formulação do Programa Universidade Gratuita: “Não há dados que embasem uma decisão sustentada em evidências. Em idêntico sentido, não se observa um desenho de política pública, com sua caracterização em modelo lógico que explicite objetivos, produtos, atividades, resultados e impactos, assim como não se identifica análise de alternativas, mediante, por exemplo, análises de consequências com base em padrões de custo-benefício e custo-efetividade”, diz o voto aprovado pelo Pleno.
O Relator também manifestou com preocupação com a possibilidade de o Universidade Gratuita vir a se tornar um programa de distribuição de renda invertida, em benefício das classes com maior poder aquisitivo, ao permitir que recursos públicos financiem estudantes de famílias com renda bruta de até 20 salários mínimos, no caso de cursos de Medicina, ou 10 salários mínimos, para as demais graduações.
Ensino médio e profissionalizante
O conselheiro Gerson Sicca destacou ainda dados apurados pela equipe técnica do Tribunal, indicando que a Secretaria de Estado da Educação vem realizando contingenciamentos em face de demandas de implantação do Novo Ensino Médio em 2023, o que levou à redução de financiamento do bolsa estudante destinado a coibir a evasão e abandono de estudantes do ensino médio.
Há outros alertas por parte do relator, esses em relação ao ensino médio profissionalizante. A meta 11 do Plano Estadual de Educação prevê que sejam triplicadas as vagas nesse modelo, com pelo menos 60% desse incremento na rede pública. Conforme se extrai do site da Secretaria de Estado da Educação, devem ser criadas 147 mil vagas em Santa Catarina para o alcance da meta, sendo que, em 2021, o número de vagas era inferior àquelas disponíveis em 2014.
“O ensino técnico profissionalizante, a despeito de sua relevância para os estudantes e para a economia catarinense, não vem recebendo tratamento compatível com a sua essencialidade, e, em sentido contrário, a atual aplicação do art. 170 garante maior espaço para cursos não vinculados diretamente aos processos produtivos regionais ou à formação de professores da educação básica”, ponderou o relator, ao mencionar que os dados reforçam a inversão de prioridades que pode surgir com a ampliação do financiamento público do ensino superior pelo poder público estadual.